sábado, 6 de dezembro de 2008

Por Paola Zordan - Texto elaborado para mesa Poéticas da arte na educação contemporânea - I Colóquio Pedagogia da Arte, FACED/UFRGS




Ovo. Ponto zero. Corpo sem órgãos. O dito e tanto redito. Cortado e superficial. Um corpo cuja existência não é outra senão a produção de arte. Uma bricolage. Selecionada por uma objetiva e registrada de acordo com a exposição da luz. Ampliada por lentes. Reproduzida em pixels. Vista como imagem.
Feliz é quem não precisa de uma imagem para se saber artista. Fazer arte é algo muito diferente daquilo que se preconcebe. É uma questão de VIDA, não de exibição. Implica um produzir que pouco se coloca em produtos e exposições, mas sim faz espaços. Espaços para viver. Lugares de estar junto.
Uma mesa é um lugar de estar junto. Uma mesa é um palco? As pessoas que estão nela são atrizes, performers, bailarinas, musicistas? Doutoras. Professoras? Mediadoras? Interlocutoras? Apresentadoras? Painelistas, é essa a imagem que se faz. Figuras aqui desta casa, da casinha aqui perto, da casa avizinhada, de outro lugar do país. Estamos todas aqui. Todos que aqui estão morrerão um dia. Evitar a morte é o motivo da poética. Se colocar numa obra, conservando imagens, é o modo que os humanos encontram para se manterem eternamente vivos. Viver eternamente é a maneira que nós achamos para nunca deixar morrer nossas paixões.
Não erguemos megalitos, não inventamos pirâmides, não construímos catedrais. Uma vez professores, nossa obra é aquilo que repercute em nossos alunos, de geração em geração. São eles, individualmente ou em grupo, a razão de tanto trabalho sem aparente produto. Suas vidas, sucessos, alegrias, realizações compõem a obra coletiva de um currículo feito por muitas e controversas cabeças. Uma hidra. Um monstro. Aglomeração sem outra finalidade além de compor. Algo que se mostra sem fins didáticos, mas com a mais desejosa das intenções.
E que intencionamos com a poética, é colocar o amor em criação.
Pois é sempre de um corpo amado, às vezes paradoxalmente odiado e perturbador, que a imagem trata. Para estudar o corpo em questão, o desejo precisa virar conceito. Criação para povoar o pensamento, o que é concebido traça o plano em que toda imagem devém. Sem plano nada se conquista. O que precisamos conquistar é aquilo que amamos. Temos amor por algumas imagens não porque elas representam os corpos amados. Amamos as imagens que erguem esse corpo e fazem dele matéria instalada no coração. O coração é só mais uma imagem. Cheia de alvos, indicações, indícios, desperdícios, malefícios e besteiras. O que cabe nessa imagem que nos é tão cara, depende de quem a evoca. E o que, junto ao coração, esse ultra clichê da cristandade hoje travestido em romantismo leigo para consumo, pode ser invocado, é justamente o que vai dar cara para nossas imprescindíveis paixões.
Uma imagem não afirma nada. Uma imagem pode estar cheia de significados. Se ela inscreve coisas além do que o olho vê, a culpa é dos clichês. Romper com os clichês é se aventurar em criações. Sem garantia alguma de que algo diferente aconteça. Porque o quadro negro, as vagas, os espaços vazios, a folha em branco, tudo isso está cheio de clichês: observação de Deleuze em suas incursões filosóficas sobre pintura.
Criamos com alusões. Ilusão é acreditar nas imagens, essas criações do pensamento que extrapolam a visualidade. O que identificam, o que representam, o que querem dizer: o que isso importa para quem com as imagens se ocupa? Imagens comportam mundos. Com imagens montamos paisagens. Aglutinamos preferências e juntamos o que nos interessa. Fixas e efêmeras, as imagens são figuras que povoam o pensamento. Fugidias e perenes, sempre tiradas daquilo que na vida aparece.
5 minutos de leitura oral
Nenhuma paisagem permanece eterna. A visão se esvai. Como o corpo, que por mais que permaneça, de algum modo se acaba. Trazer imagens não garante a conservação do que elas implicam. Fazer desaparecer, de algum modo, é excessivamente mostrar. Vista em excesso, qualquer imagem deixa de ter força. Por mais re-apresentada que seja. Ainda que insistentemente se propaguem, imagens não são feitas, necessariamente, para atrapalhar. Mas podem causar transtornos. Pois se colam em discursos, tabus e complicados afetos. Aspectos indissociáveis em um mesmo plano de expressão. Obviamente ideológicas, educam. Se não percebemos os clichês colados numa imagem o olho não tem nada a ver com isso.
6 minutos e 10 segundos
O olho é apenas o ponto de passagem. O que o cérebro faz com aquilo que o olho captura é o que dá para as imagens o estatuto que os estudiosos contemporâneos tanto trazem em suas falas. Classificar e interpretar imagens: ocupação acadêmica estabelecida. Trabalho que sobrepõe nas imagens codificações que, necessariamente, algumas imagens não têm. O problema não é esse procedimento, mas sim deixar de trabalhar com tudo o que a imagem não identifica. O que na imagem, não pode ser codificado. Com tudo o que, numa imagem, move o pensamento.
7 minutos
Desejamos imagens não pelo que elas representam e sim pelo movimento que elas produzem nos corpos. Todo amor não passa de um decalque muito bem sucedido entre uma imagem criada subjetivamente e um corpo, preferencialmente experimentado no físico. Apaixonamos-nos quando as criações nos tiram do lugar. Se depois canonizam certas figuras e determinadas paisagens, foi porque a paixão que ergue um corpo-figura-paisagem em imagem mobilizou imensidões. Sem dúvida queremos imagens nas quais possamos nos colar. Mas, acima de tudo, as imagens queridas são aquelas cujos recortes voam além dos enquadramentos. Molduras, quadros, monitores e todo tipo de dispositivos quadrangulares nos quais a cultura as circunscreve.
8 minutos e 7 segundos
Mais do que imagens, queremos paixões. Se o pathos só pode se erguer como obra se valendo de imagens, isso não demanda tanta conversa sobre elas. Melhor seria simplesmente fruir da natureza das figuras, das cores, das abstrações, das massas e das junções. Mas, para sustentar o sentido dos corpos apresentados somente pela via da linguagem, como estamos acostumados a nos valer, fica-se sob o jugo de gramáticas muito mais estreitas do que a plasticidade da poesia em si. Por isso, toda essa falação. Tanta coisa escrita, necessidade de leituras e explicações. A neurose interpretativa não suporta o silenciar inconsciente que toda e qualquer imagem tem.
9 minutos e 5 segundos
Amanhecemos. Sem peles, só imagem. Gozamos largando as palavras. Buscando flashs da eternidade, mas efetivamente vivendo os matizes lentos do crepúsculo. Num novo corpo. Esse que intensamente um encontro cria. Nunca o mesmo encontro. Porque os corpos se reinventam. E, mais do que de imagens, precisam uns dos outros. Entretanto, imagens são corpos. Que dificilmente são zerados, pois são númens e nomes. Cheios de fluxos inclassificáveis e impossíveis de serem numerados, somente quantum que em nenhuma tabulação pode expressar. As imagens são o quanto de prazer um corpo é capaz de suportar.
10 minutos e 18 segundos, ultrapassei meu tempo
Imagens proliferam. Quem cria faz delas o que quiser. Quem cria reinventa a imagem e a torna diferença. Se isso incomoda é porque até a mais banal das imagens estranha a si mesma e a toda a discursividade que contém. Continente, a imagem não pode ser apartada do desenho. Substancial, a imagem pinta.
10 minutos e 45 segundos, ai ai, ai
Zerar a imagem não é calar. Apenas esquecer tudo o que ela supostamente trata. Olhar por olhar, não para entender o tratamento que o texto envolve, mas sim para se apaixonar. Arriscar o corpo em tudo o que a superfície oferece. No plasma e no cristal líquido gosmas são anunciadas. Fantasias, enfrentamentos e encantos. Se não nos apaixonarmos, nenhuma imagem, sempre corpo, tem graça.
11 minutos e 10 segundos
Alguma coisa aconteceu. Anoitece. Tudo continua igual. O que nos faz provar, tão pequeno lapso de diferença? A vida é sempre a mesma. O dia vem, cai na noite, a cada volta da terra em torno do sol, uma nuance. O que muda está na arte. E a arte apaixona, não educa.
11 minutos e 37 segundos, impossível encaixar pensamento e poética perfeitamente no tempo, cada vez menor em todas as circunstâncias.

I Colóquio Nacional em Pedagogia da Arte

Foi de 3 a 5 de dezembro nosso tão esperado colóquio. Todos, acredito, passamos pelas angústias, criamos nossos monstros internos, nossos medos. Angústias causadas pelos prazos. Monstros noturnos e das horas vagas, que não eram vagas. Medo de não conseguirmos.
Tudo correu bem. Fomos bem felizes, no final das contas. Cada um a seu tem
po. Cada um com um problema a ser resolvido.
O Colóquio foi encerrado com Marcia Tiburi, Nadja Hermann e com mediação de Marcelo de Andrade Pereira, meu orientador, num bate papo sobre Ética, estética, educação e arte. Foi muito bacana.

Agradecimentos aos professores que passaram ou ficaram:

Analice Dutra Pillar
Celina Nunes de Alcântara
Ciça Reckziegel
Elisabete Garbin
Flavia Pilla do Vale
Gilberto Icle
Luciana Loponte
Marcelo de Andrade Pereira
Paola Zordan
Rosa Maria Fischer
Ruth Sabat
Sergio Andrés Lulkin
Vera Lúcia Bertoni

Dani Boff



Oi Adri querida..
 
Tu arrasou ontem hein?
(...)
Apresentei o meu trabalho pro meu vaso de flores, e não consigo saber o que ele achou. hehehehehehehe
 
Beijos

Agradecimentos especiais

Agradecimentos especialíssimos

Ao meu orientador Marcelo de Andrade Pereira pelo apoio permanente.

Ao Rodrigo Núñez pelas fotos, pelas corridas, pelo segurar na mão, pelo Amor, pelas bagunças, pelas generosas partilhas, pelo colo, por tudo na vida.

Ao meu pai, a minha mãe e minha irmã pelo ensino do "compartilhar a partilha", pelo Amor incondicional, pelas histórias todas.

A Regina Veiga, Jener Gomes, Gwoene e Debora Fleck pelas fotos documentais.

A Claudia Paim e Claudia Zanatta pelo vídeo.

A todos que contribuíram como puderam ou como souberam.

Referências de cabeceira

BRETON, Philippe. Elogio da palavra.Loyola, São Paulo: 2006.

CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. (p.13 – 49) Rio de Janeiro: Ouro sobre
Azul, 2006

GUELMAN, Leonardo. Brasil tempo de gentileza. Niterói: EdUFF, 2000

LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.

RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.


www.anateixeira.com


MOURÃO, Mara. Doutores da Alegria – o filme. Brasil, 2005, cor.

Antônio Augusto Bueno

Em tempos de seca de gentileza espero que teu trabalho
continue jorrando cada vez mais gentileza.